domingo, 8 de abril de 2012

SOUSA, Raimundo Nonato Nery de;

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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

PATRÍSTICA

Faculdade Evangélica do Meio Norte - FAEME
Curso: Complementação em Licenciatura Plena em Filosofia.
Disciplina: Patrística.
Professor: Raimundo Nonato Nery de Sousa
e-mail: raynery.sousa@gmail.com



TEMA
O Período Patrístico, cerca 100-451: Uma visão geral e esclarecimento dos termos


EMENTA
O advento do cristianismo e sua rápida expansão sobre o domínio da cultura greco-romana ensejaram encontro e/ou conflito do qual resultou o chamado mundo ocidental. Sua fecundidade permanece até hoje. O estudo da Filosofia Ocidental será certamente precário ao se desprezar os vestígios desse acontecimento presentes até hoje na Cultura Ocidental. Com o estudo em torno de "humanismo helênico" e "humanismo semita", o curso visa suscitar uma postura indagadora sobre esse encontro e/ou conflito até hoje em debate na visão de fundo ocidental. As Confissões de Santo Agostinho é uma das grandes obras do pensamento ocidental. O curso visa proporcionar um contato com um texto clássico da Patrística latina e, além disso, a partir da análise de sua estrutura e desenvolvimento vislumbrar alguns pontos fundamentais do pensamento agostiniano, tais como: a interioridade, o mal, a vontade, a memória, o tempo e a eternidade, a inquietude etc..
OBJETIVOS
1. Identificar os movimentos, acontecimentos e personagens mais relevantes para o Cristianismo do período estudado.
2. Correlacionar os eventos ligados ao desenvolvimento do período filosófico e teológico patrísco.
3. Desenvolver uma análise crítica, comparando e aplicando os fatos históricos aos fatos sociológicos do período filosófico e teológico patrístico.

CONTEÚDO
1. Humanismo helênico e humanismo semita.
2. Helenismo e cristianismo.
3. O ethos trágico na cultura helênica.
4. O ethos dramático da liberdade na existência judeu-cristã.
5. O problema do gênero literário ;
6. A questão da unidade das Confissões ;
7. Leitura e análise do texto;


AVALIAÇÃO


1. Atividades: individualmente os alunos deverão responder às seguintes Questões:
2. Leitura ; comentário e debate do texto;
3. Atividades: Debater o texto lido em aula



Conclusão e sugestão de leituras.

FON TE DE PESQUISA
• McGrath, Alister. Teologia Sistemática, histórica e filosófica. Shedd Publicações. 2005.

BIBLIOGRAFIA
• ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. Vol. II, "A filosofia patrística", págs. 109-195. Lisboa: Presença, 1976.
• BOEHNER, Philotheus, GILSON, Étienne. História da filosofia cristã. Petrópolis: Vozes, 1995. .
• BRÉHIER, Émile. História da Filosofia. São Paulo, Mestre Jou, 1977, 8v.
• BUCKS, René, OCD. A Bíblia e a ética: filosofia e Sagrada Escritura na obra de Emmanuel Lévinas. São Paulo, Loyola, 1997.
• CHÂTELET, François org. "A filosofia medieval: do século I ao século XV". História da Filosofia. Rio de Janeiro, Zahar, 1973, v.2.
• JÄGER, Werner. Cristianismo primitivo y paideia griega. Trad. Elsa Cecilia Frost. México, Fondo de Cultura Económica, 1993.
• McGrath, Alister. Teologia Sistemática, histórica e filosófica. Shedd Publicações. 2005.
• PADOVESE, Luigi. Introdução à teologia patrística. São Paulo: Loyola, 1999.
• PÉPIN, Jean. "A Filosofia Patrística". CHÂTELET, François org. História da Filosofia. Rio de Janeiro, Zahar, 1973, v.2, págs. 55-73.
• PÉPIN, Jean. "Helenismo e Cristianismo". CHÂTELET, François org. História da Filosofia. Rio de Janeiro, Zahar, 1973, v.2, págs. 15-54.
• STEAD, Christopher. A Filosofia na Antigüidade Cristã. São Paulo: Paulus, 1999.
• TERRA, João Evangelista Martins. O Deus dos indo-europeus: Zeus e a proto-religião dos indo-europeus. São Paulo, Loyola, 1999.
• Agostinho, A.. Confissões. Trad. br. de Maria L. J. Amarante. São Paulo: Paulus, 1995.
• Brachtendorf, J. Confissões de Agostinho. São Paulo: Loyola, 2008.
• Courcelle, P. Recherches sur les Confissions de Saint Augustin, de Boccard, Paris, 1950.





Faculdade Evangélica do Meio Norte - FAEME
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SUMÁRIO

O PERÍODO PATRÍSTICO - c. 100 – 451
Introdução
1 A cidade de Alexandria
2 A cidade de Antioquia
3 O norte da África Ocidental
1. Esclarecimento dos termos
1.1 Patrístico.
1.2 Patrologia.
1.3 Patrística
2. Tradição
2.1 filosofia grega.
2.2 filosofia patrística.
2.3 metodologia filosófica

3. Divisão didática
1.1 Período ante-niceno – c. entre o século I e início do IV século.
1.2 Período niceno – c. início do IV século até o final deste.
1.3 Período pós-niceno – c. entre os V e VIII séculos.
4. Uma visão geral do período patrístico
5. Teólogos Fundamentais
5.1 Justino Mártir (c. 100 – c. 165)
5.2 Irineu de Lion (c. 130 – c. 200)
5.3 Orígenes (c. 185 – c. 254)
5.4 Tertuliano (c. 160 – c. 225)
5.5 Atanásio (c. 296 – c. 373)
5.6 Agostinho de Hipona (c. 354 – c. 430)
Fonte de Pesquisa
Bibliografia


O PERÍODO PATRÍSTICO - c. 100 – 451


Introdução

O cristianismo teve suas origens na Palestina, mais especificamente na região da Judéia, em particular na cidade de Jerusalém. Esse movimento via a si mesmo como uma continuação e uma evolução do judaísmo e, a princípio, floresceu em regiões às quais o judaísmo estava tradicionalmente associado, sobretudo na Palestina. Entretanto, rapidamente se espalho para as regiões vizinhas, em parte por meio dos esforços dos primeiros evangelistas cristãos, como Paulo de Tarso. Ao final do século I, o cristianismo parece haver se estabelecido por toda a região banhada pelo Mediterrâneo Oriental e, até mesmo, adquirido uma presença significativa na cidade de Roma, a capital do Império Romano. À medida que a igreja em Roma se tornava cada vez mais poderosa, começaram a surgir tensões entre a liderança cristã em Roma e em Constantinopla, pressagiando o cisma posterior entre as igrejas ocidentais e orientais, respectivamente concentradas nesses centros de poder.

Nesse processo de expansão surgiram diversas regiões que se tornaram importantes centros de debate teológico. Três delas podem ser apontadas como detentoras de importância especial, das quais as duas primeiras falavam o grego e a terceira, o latim.

1 A cidade de Alexandria, no Egito atual, se destacou como um centro de educação teológica cristã. Um estilo teológico característico veio a ser associado a essa cidade, o qual retrata sua antiga associação com a tradição platônica. O estudante encontrará referências a abordagens “alexandrinas” em áreas como a cristologia e a interpretação bíblica, o que reflete tanto a importância quanto a peculiaridade do estilo de cristianismo associado a essa região.

2 A cidade de Antioquia e a região vizinha da Capadócia, na atual Turquia. Em uma primeira fase, uma forte presença cristã veio a consolidar-se nessa região norte do Mediterrâneo Oriental. Algumas das viagens missionárias de Paulo o levaram até essa região. A Antioquia se destaca de maneira significativa em vários pontos da história da igreja primitiva, conforme registrado em Atos dos Apóstolos. A própria cidade de Antioquia logo se tornou um importante centro do pensamento cristão. Como Alexandria, foi associada a abordagens específicas com respeito à cristologia e à interpretação bíblica. O termo “antioqueno” é frequentemente utilizado para designar esse estilo teológico característico. Os “pais capadócios” também tiveram uma importante presença nessa região, em termos de teologia no século IV, especialmente notável por sua contribuição à doutrina da Trindade.

3 O norte da África Ocidental, especialmente a área da atual Argélia. Nesse local ao final do período clássico, ficava Cartago, importante cidade mediterrânea e, em um certo momento, adversária política de Roma, pois ambas disputavam o domínio da região. No período em que o cristianismo se espalhou por essa área, essa cidade era uma colônia romana. Ente os importantes escritores da região estão Tertuliano, Cipriano de Cartago e Agostinho de Hipona

Isso não significa que outras cidades do Mediterrâneo não tinham importância alguma. Roma, Constantinopla, Milão e Jerusalém também eram centros do pensamento da teologia cristã, ainda que nenhuma delas estivesse destinada a alcançar a mesma importância de suas concorrentes.

Esclarecimento dos termos

O termo “patrístico” vem da palavra latina pater, “pai”, e tanto designa o período referente aos pais da igreja quanto às idéias características que se desenvolveram ao longo desse período. O termo é não inclusivo; ainda não havia surgido na literatura algum termo inclusivo que fosse aceitável por todos. Os termos a seguir relacionados são encontrados com freqüência e devem ser registrados.


- Período Patrístico – Esse termo representa algo definido de forma vaga que frequentemente é considerado como o período a partir do término dos documentos do Novo Testamento (c. 100) até o decisivo Concílio da Calcedônia (451).


- Patrístico – Normalmente, esse termo significa o ramo do estudo teológico que trata do estudo dos “pais” (patres) da igreja.


- Patrologia – Esse termo já significou literalmente “o estudo dos pais da igreja”, mais ou menos, da mesma forma que “teologia” significava “o estudo de Deus” (theos). Entretanto, em anos recentes, a palavra sofreu uma alteração em seu significado. Agora, ela se refere a manuais de literatura patrística, como aquele do célebre acadêmico alemão Johannes Quasten, que fornece a seus leitores fácil acesso às principais idéias dos escritores patrísticos e a alguns dos problemas de interpretação associados a elas.

Patrística é o nome dado à filosofia cristã dos primeiros sete séculos, elaborada pelos Pais da Igreja, os primeiros teóricos —- daí "Patrística" —- e consiste na elaboração doutrinal das verdades de fé do Cristianismo e na sua defesa contra os ataques dos "pagãos" e contra as heresias.
Foram os pais da Igreja responsáveis por confirmar e defender a fé, a liturgia, a disciplina, criar os costumes e decidir os rumos da Igreja, ao longo dos sete primeiros séculos do Cristianismo. É a Patrística, basicamente, a filosofia responsável pelo elucidação progressiva dos dogmas cristãos e pelo que se chama hoje de Tradição Católica.

Tradição
Quando o Westanismo, para defender-se de ataques polêmicos, teve de esclarecer os próprios pressupostos, apresentou-se como a expressão terminada da verdade que a filosofia grega havia buscado, mas não tinha sido capaz de encontrar plenamente, enquanto a Verdade mesma não tinha ainda se manifestado aos homens, ou seja, enquanto o próprio Deus não havia ainda encarnado.
De um lado, se procura interpretar o Cristianismo mediante conceitos tomados da filosofia grega, do outro reporta-se ao significado que esta última dá ao Cristianismo. Os primeiros pensadores cristãos, ao mesmo tempo em que se valeram, também se debateram com os filósofos, quer com Platão e com Aristóteles, quer, sobretudo, com os estóicos e com os epicureus. Sem perder de vista os ideais da doutrina cristã, eles buscaram encontrar, frente à filosofia e aos filósofos, o lugar apropriado da reflexão filosófica e do pensar cristão.
É comum a afirmação de que o Cristianismo primitivo sofreu influências de vários setores da Filosofia Grega - de Platão, de Aristóteles, dos epicuristas e dos estóicos - sem que se determine claramente a amplitude e os limites de tais influências. Também é comum dizer-se que os filósofos convertidos ao Cristianismo buscaram dar à doutrina cristã um status filosófico, mas sem o cuidado de salientar as fontes das quais se serviram ou sem analisar os conceitos dos quais se apropriaram... (SPINELLI, 2002, p. 3). Foram vários autores que se ocuparam dessa tarefa: Justino, Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orígenes, Gregório de Nazianzo, Basílio de Cesareia, Gregório de Nissa...
Como resume Johannes Hirschberger: Tratando-se de filosofia patrística, não devemos, como outrora, pensar somente nas obras de filósofos que só foram filósofos. A filosofia da patrística está antes contida nos tratados dos pastores de alma, pregadores, exegetas, teólogos, apologetas que buscam antes de tudo a exposição da sua doutrina religiosa. Mas ao mesmo tempo, levados pela natureza das cousas e dada a ocasião, se põem - a resolver problemas propriamente pertencentes à filosofia; e então, pela força do assunto, versam a metodologia filosófica.HIRSCHBERGER, 1966.
A figura de maior destaque dessa corrente de pensamento cristão é Santo Agostinho.
Divisão didática
A Patrística divide-se geralmente em três períodos:
• até o ano 200 dedicou-se à defesa do Cristianismo contra seus adversários (padres apologistas, como São Justino Mártir, etc.).
• até o ano 450 é o período em que surgem os primeiros grandes sistemas de filosofia cristã (Santo Agostinho, Clemente Alexandrino, etc.).
• até o século VIII reelaboram-se as doutrinas já formuladas e de cunho original (Boécio, etc.).
Esta divisão da Literatura Patrística em três períodos é geralmente feita, mais didaticamente, da seguinte forma:
• Período ante-niceno - corresponde ao período anterior ao Concílio Ecumênico de Nicéia (324 d.C). Geralmente compreende os escritos surgidos entre o século I e início do IV século.
• Período niceno - corresponde ao período entre os anos anteriores até alguns imediatamente posteriores ao Concílio Ecumênico de Nicéia (324 d.C). Geralmente compreende os escritos surgidos entre o início do IV século até o final deste.
• Período pós-niceno - corresponde ao período compreendido entre os V e VIII séculos.

Uma visão geral do período patrístico

O período patrístico representa um dos mais empolgantes e criativos da história do pensamento cristão. Somente essa característica é suficiente para assegurar que, ainda por muitos anos, ele continuará a ser tema de estudo. Esse período também é importante por motivos teológicos. Todos os principais ramos da igreja cristã – incluindo as igrejas anglicanas, ortodoxa oriental, luterana, reformada e católica romana – consideram o período patrístico como um marco decisivo na evolução da doutrina cristã. Cada uma dessas igrejas se considera como uma continuação, uma extensão e, naquilo que for necessário, uma crítica às visões dos escritores da igreja primitiva. Por exemplo, Lancelot Andrews (1555-1626), importante escritor anglicano do século XVII, afirmou que o cristianismo ortodoxo baseava-se em dois testamentos, três credos, quatro evangelhos e nos cinco primeiros séculos de história cristã.
O período foi da maior importância para o esclarecimento de uma série de questões. A tarefa fundamental era delimitar a relação existente entre cristianismo e judaísmo. As cartas de Paulo, no Novo Testamento, é uma prova da importância desse ponto no primeiro século da história cristã, à medida que várias questões práticas e doutrinárias passaram a ser consideradas. Os cristãos gentios (isto é, os não judeus) eram obrigados a circuncidar-se? Como o Antigo Testamento deveria ser corretamente interpretado?

No entanto, logo surgiram outras questões. Uma das que tiveram importância especial no século II foi a da apologética – a defesa argumentativa e a justificação da fé cristã perante seus críticos. Ao longo do primeiro período de história cristã, a igreja foi freqüentemente perseguida pelo Estado. Sua agenda era sobreviver; havia espaço limitado para debates teológicos, quando a própria existência da igreja cristã não poderia ser considerada um fato consumado. Essa observação nos ajuda a entender, por meio de escritores como Justino Mártir (c. 100 – c.165), preocupados em explicar e em defender as crenças e práticas do cristianismo a um público pagão hostil, por que a apologética tornou-se uma questão de tamanha importância para a igreja primitiva. Embora esse primeiro período tenha produzido alguns teólogos extraordinários – como Irineu de Lion (c. 130 – c. 200), no ocidente, e Orígenes (c. 185 – c. 254), no oriente, o debate teológico só pôde, de fato, iniciar-se uma vez cessada a perseguição à igreja.

Essas condições se tornaram possíveis ao longo do século IV com a conversão do Imperador Constantino. Em 311, o Imperador Romano Galerius, ordenou a cessação da perseguição oficial aos cristãos. Essa fora um fracasso e somente havia exacerbado a decisão dos cristãos em resistir à nova imposição da clássica religião pagã dos romanos. Galerius proferiu um edito que permitia aos cristãos levar novamente uma vida normal e “realizar suas assembléias religiosas desde que não perturbassem a ordem pública”. O edito identificava, de forma explícita, o cristianismo como uma religião e lhe oferecia pleno amparo legal. O status legal do cristianismo, que havia sido ambíguo até esse momento, fora estabelecido. A igreja não teria mais que lutar por sua sobrevivência.

O cristianismo era agora uma religião legal; era, porém, apenas mais uma religião dentre tantas outras, lutando por influência no mundo romano. A conversão do Imperador Constantino ocasionou uma mudança completa na situação do cristianismo em todo o Império Romano. Constantino nasceu em um lar pagão em 285. (Sua mãe posteriormente se tornaria cristã, ao que parece devido à influência de seu filho). Embora ele não tenha demonstrado qualquer atração específica pelo cristianismo a princípio, Constantino certamente parece ter considerado a tolerância como uma virtude essencial. Constantino, após a tomada de poder por Maxentius, na Itália e no norte da África, liderou algumas tropas vindas da Europa Ocidental em uma tentativa de retomar o poder na região. A batalha decisiva ocorreu em 28 de outubro de 312, na ponte Mílvia, ao norte de Roma. Constantino derrotou Maxentius e foi proclamado imperador.
Em algum momento, pouco tempo após esse fato, ele se declarou cristão. Constantino, em seu período como imperador (306-307), obteve sucesso na reconciliação entre Igreja e Estado, cujo resultado foi a mudança de mentalidade, pois a igreja não mais vivia sob constante perseguição. Em 321, ele decretou que os domingos deveriam se tornar feriados. No Império Romano, devido à influência de Constantino, o debate teológico construtivo se tornou uma atividade pública. Agora, a igreja, exceto por um breve período de incertezas ao longo do reinado de Juliano, o Apóstata, (361-363), podia contar com o apoio do Estado. Assim, a teologia saiu da obscuridade dos encontros secretos para se tornar, ao longo de todo o Império Romano, uma questão de interesse e preocupação públicos. Progressivamente, os debates doutrinários tornaram-se uma questão de importância tanto política, quanto teológica. O desejo de Constantino era ter uma igreja unida em todo seu império e, assim, preocupava-se com o fato de que as diferenças doutrinárias deveriam ser debatidas e conciliadas como uma questão prioritária.

O período patrístico posterior (de cerca de 310 a 451), em conseqüência disso, pode ser considerado como o ápice na história da teologia cristã. Nesse período, os teólogos dispunham de liberdade para trabalhar sem a ameaça de perseguição e foram capazes de tratar de uma série de assuntos de importância capital para a consolidação do consenso teológico que emergia nas igrejas. A igreja percebeu que teria que chegar a um consenso quanto às divergências e tensões contínuas por meio de um extenso debate e um processo doloroso de aprendizagem. Contudo, em boa parte, o estabelecimento desse consenso, que mais tarde seria consagrado nos credos ecumênicos, já estava em evolução nesse período formativo. Evidentemente, o período patrístico é de considerável importância para a teologia cristã, embora seja considerado bastante difícil por muitos estudantes de teologia de nossos dias. Pode-se atribuir quatro motivos principais para essa percepção:
1 Alguns debates do período parecem desesperadamente irrelevantes em face do mundo moderno. Embora fossem considerados extremamente importantes na época, normalmente é muito difícil para o leitor atual sentir uma certa empatia em relação aos temas e compreender porque atraíam tanta atenção. Nesse aspecto, é interessante comparar o período patrístico com o período da Reforma. Pois muitos dos temas que foram tratados durante esse último período, continuam como assuntos de interesse da igreja atual; muitos professores de teologia percebem que seus estudantes são capazes de se identificar muito mais facilmente com as questões relativa s a esse período posterior.

2 Muitos dos debates do período patrístico giram em torno de questões filosóficas e somente fazem sentido se o leitor possuir alguma familiaridade em relação aos debates filosóficos do período. Mesmo levando-se em consideração que, pelo menos, alguns dos estudantes de teologia possuem um certo conhecimento das idéias presentes no discurso de Platão, essas idéias forma objeto de avanços e de críticas consideráveis no mundo mediterrâneo, no período patrístico. O médio Platonismo e o Neoplatonismo diferem bastante entre si, assim como das idéias originais de Platão. A excentricidade de muitas das idéias filosóficas do período age como outro obstáculo para seu estudo. Isso torna difícil, para o estudante que se inicia na teologia, avaliar com profundidade o que está se passando em algumas das discussões do período patrístico.

3 O período patrístico é caracterizado por uma considerável diversidade doutrinária. Representou uma era de transição, ao longo da qual os marcos e os padrões – inclusive documentos, como o Credo Niceno e dogmas, como o relativo a duas naturezas de Cristo – emergiram gradativamente. Os estudantes acostumados à relativa estabilidade de outros períodos da doutrina cristã (como a da Reforma, em que a pessoa de Jesus não representou uma questão de maior relevância) normalmente consideram desconcertante essa característica do período patrístico.

4 O período assistiu ao surgimento de um grande cisma, por razões tanto políticas quanto lingüísticas, entre as igrejas do oriente, de língua grega, e a do ocidente, de língua latina. Muitos estudiosos notam uma marcante diferença de identidade teológica entre os teólogos orientais e os ocidentais: os primeiros normalmente apresentam inclinações filosóficas e são dados à especulações teológica, ao passo que os últimos são normalmente contrários à interferências da filosofia na teologia, pois consideram esta como investigação das doutrinas postas na Escrituras. Esse aspecto fica evidente na célebre pergunta retórica do teólogo ocidental Tertuliano (c. 160 – c. 225): “Qual a relação entre Atenas e Jerusalém? Ou, entre a Academia e a Igreja?”.



Teólogos Fundamentais

Ao longo dessa obra, haverá referências a um número significativo de teólogos do período patrístico. Contudo, apresentamos a seguir os seis escritores cuja importância singular merece ser destacada com uma menção especial.
Justino Mártir (c. 100 – c. 165)
Justino talvez seja o maior dos Apologistas – escritores cristãos do século II, que se dedicavam à defesa do cristianismo diante das intensas críticas de origem pagã. Justino, em sua obra, Primeira Apologia, defendeu que podem ser encontrados sinais da verdade cristã em grandes escritores pagãos. Sua doutrina do logos spermatikos (“palavra geradora”) permitiu-lhe afirmar que Deus havia preparado o caminho para sua revelação final em Cristo por intermédio dos indícios de sua verdade, que estavam presentes na filosofia clássica. Justino nos fornece um importante exemplo inicial da tentativa de um teólogo em relacionar o evangelho à perspectiva da filosofia grega, tendência particularmente associada à igreja oriental.

Irineu de Lion (c. 130 – c. 200)

Acredita-se que Irineu tenha nascido em Esmirna (na atual Turquia), embora posteriormente tenha se estabelecido em Roma. Tornou-se por volta de 178, Bispo de Lion, posição que ocupou até sua morte, duas décadas depois. Irineu é especialmente notável por sua defesa veemente da ortodoxia cristã, em face da objeção apresentada pelo gnosticismo. Sua obra mais importante, “Contra Heresias”, (Adversus Haereses), representa uma defesa importante da compreensão cristã a respeito da salvação e, especialmente, do papel da tradição em se manter fiel ao testemunho apostólico, diante de interpretações não-cristãs.

Orígenes (c. 185 – c. 254)

Orígenes, um dos mais importantes defensores do cristianismo do século III, forneceu uma base importante para o desenvolvimento do pensamento cristão oriental. Suas contribuições mais relevantes para o desenvolvimento da teologia cristã podem ser vistas em duas áreas principais. Orígenes, no campo da interpretação bíblica, desenvolveu a noção de interpretação alegórica, argumentando que se deveria fazer uma distinção entre o sentido superficial das escrituras e seu sentido espiritual mais profundo. No campo da cristologia, Orígenes consolidou a tradição de se distinguir entre a divindade plena do Pai e uma divindade limitada do Filho. Alguns estudiosos vêem o arianismo como conseqüência natural dessa abordagem. Orígenes também adotou, com algum entusiasmo, a idéia de apocatastasis, segundo a qual toda criatura – incluindo tanto o ser humano quanto Satanás – será salva.



Tertuliano (c. 160 – c. 225)
A princípio, Tertuliano foi um pagão originário da cidade de Cartago, no norte da África, que se converteu ao cristianismo quando tinha cerca de trinta anos. Ele, com freqüência, é considerado o pai da teologia latina em razão do tremendo impacto que teve sobre a igreja ocidental. Ele defendeu a unidade do Antigo e do Novo Testamento contra Marcião, que argumentava que ambos se relacionavam a deuses distintos e, não a um mesmo e único Deus. Ao fazer isso, Tertuliano lançou as bases para a doutrina da Trindade. Ele se opunha intensamente ao fato de a teologia ou a apologética cristãs tornarem-se dependentes de fontes estranhas às escrituras. Ele está entre os primeiros representantes mais influentes que defenderam o princípio da suficiência das Escrituras, o qual condenava aqueles que recorriam às filosofias seculares para alcançar um conhecimento verdadeiro de Deus (como os que pertenciam à Academia de Atenas).


Atanásio (c. 296 – c. 373)
A importância de Atanásio está relacionada, principalmente, a temas da cristologia que se tornaram relevantes ao longo do século IV. Ele, provavelmente, por volta de vinte anos, escreveu o tratado De Incarnatione Verbi [A Encarnação do Verbo], uma defesa poderosa da idéia de que Deus assumira a natureza humana na pessoa de Jesus Cristo. Esse tema mostrou-se de importância crucial na controvérsia arianista, à qual Atanásio deu grande contribuição. Ele ressaltou que se Cristo não era plenamente Deus, como alegava Ário, desse fato resultava uma série de implicações. Primeiro, era impossível para Deus salvar a humanidade, pois nenhuma criatura poderia redimir a outra. Em segundo lugar, havia o fato da igreja cristã ser culpada pela prática de idolatria, uma vez que os cristãos regularmente louvavam e oravam a Cristo. A “idolatria” pode ser definida como a “adoração de algo construído ou criado pelo ser humano”, desse fato resultava que essa adoração era idólatra. Por fim, esses argumentos venceram e levaram à rejeição do arianismo.



Agostinho de Hipona (c. 354 – c. 430)

Ao falar de Auréluius Augustinus, conhecido normalmente como Agostinho de Hipona – o simplesmente por Agostinho – deparamo-nos talvez com a mente mais brilhante e influente da igreja cristã por toda a sua longa história. Agostinho, atraído ao cristianismo pela pregação do Bispo Ambrósio de Milão, vivenciou uma dramática experiência de conversão. Agostinho, que aos 32 anos não havia ainda satisfeito seu ardente desejo de conhecer a verdade, encontrava-se em um jardim de Milão, debatendo-se com as importantes questões sobre a natureza e o destino humano, quando teve a impressão de ouvir, próximo dali, algumas crianças cantando Tolle, lege [“Tome e leia”]. Interpretou esse fato como orientação divina e tendo à mão o Novo Testamento – na verdade, a carta de Paulo aos Romanos - leu as proféticas palavras: “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Rm. 13,14). Para Agostinho, cujo paganismo havia se tornado cada vez mais difícil de ser mantida, essa foi a gota d’água. Posteriormente, como ele mesmo relembrou, “uma luz de convicção invadiu meu coração e dissipou toda sombra de dúvida”. A partir desse momento, Agostinho dedicou sua imensa capacidade intelectual à defesa e à consolidação da fé cristã, escrevendo em um estilo que era, ao mesmo tempo, apaixonado e inteligente, o qual apelava tanto à mente quanto ao coração.
Agostinho, provavelmente por sofrer de algum tipo de asma, deixou a Itália e retornou ao norte da África, onde, em 395, se tornou Bispo de Hipona (na atual Argélia). Em seus trinta e cinco anos restantes, ele testemunhou numerosas controvérsias de importância fundamental para o futuro da Igreja cristã no ocidente, e a contribuição de Agostinho foi decisiva para a solução de cada uma delas. Sua meticulosa exegese do Novo Testamento, em especial das cartas de Paulo, concedeu-lhe a reputação, que ainda hoje lhe é atribuída, como “o segundo pai da fé cristã” (Jerônimo). Com o término da Idade Média, a substancial produção teológica de Agostinho constituiria, na Europa Ocidental, a base de um grandioso projeto de renovação e desenvolvimento da teologia, que consolidaria sua influência na igreja ocidental.
Uma parte fundamental da contribuição de Agostinho é o desenvolvimento da teologia como uma disciplina acadêmica. Na verdade, não se pode dizer que a igreja primitiva tenha desenvolvido qualquer forma de “teologia sistemática”. A preocupação fundamental da igreja primitiva era defender o cristianismo das críticas que lhe eram feitas (como se percebe nas obras apologéticas de Justino Mártir), bem como esclarecer os aspectos centrais do pensamento cristão, para combater a heresia (como se nota na obra de Irineu, que ataca o gnosticismo). Contudo, ao longo dos quatro primeiros séculos, um substancial desenvolvimento doutrinário ocorreu particularmente em relação às doutrinas da pessoa de Cristo e da Trindade.
A contribuição de Agostinho foi no sentido de alcançar uma síntese do pensamento cristão, sobretudo em seu grande tratado De Civitate Dei [A Cidade de Deus]. Como no célebre romance de Charles Dickens, a “Cidade de Deus”, de Agostinho, conta uma história sobre duas cidades – a cidade do mundo e a cidade de Deus. A obra apresenta um tom apologético: Agostinho é sensível à acusação de que a queda de Roma devia-se ao fato do império haver abandonado o paganismo clássico em favor do cristianismo. Contudo, à medida que defendia o cristianismo dessas acusações, ele inevitavelmente proporciona uma apresentação e uma explicação sistemática das linhas principais da fé cristã.

Além disso, porém, pode-se ainda afirmar que Agostinho contribuiu de maneira fundamental em relação a três grandes áreas da teologia cristã: a doutrina da igreja e doutrina da graça que surgiu a partir da controvérsia pelagianista e a doutrina da Trindade. Agostinho, curiosamente, nunca explorou realmente a área da cristologia (isto é, a doutrina da pessoa de Cristo), a qual, sem dúvida alguma, teria se beneficiado de sua notável sabedoria e perspicácia.
O legado da Patrística foi passado à Escolástica.
Fonte de Pesquisa
• McGrath, Alister. Teologia Sistemática, histórica e filosófica. Shedd. Publicações. 2005.
Bibliografia
• ALTERNER, Berthold; STUIBER Alfred. Patrologia. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004.
• DROBNER, Hubertus. Manual de Patrologia. Petrópolis: Vozes, 2003.
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